Hoje a régua que mede o nível da água não serve para nada. O pior cenário que já se tinha registrado foi em 1972, quando ela marcava 33 cm. Hoje não se tem como medir mais.
Com fome, bicho nenhum tem vergonha de mostrar a cara. A seca na Baía de Chacororé, no Pantanal matogrossense, é tão severa que nas margens dá para ver tudo quanto é tipo de espécie.
Onde tem água, costuma ter comida. Mas hoje, sob o sol escaldante, é preciso procurar muito. Os pássaros se alimentam de moluscos e caramujos que vivem em conchas debaixo d´água. Agora o que se vê é só casca e terra rachada.
Ao sul de Cuiabá a terceira maior Baía do Pantanal enfrenta a pior seca da história.
Do alto a gente consegue ver ilhas na Baía de Chacororé. Isto dá uma noção deste desastre ambiental. Normalmente nesta época do ano a baía tem ainda dez mil hectares alagados. Hoje quase metade disso já secou. Numa área equivalente a de cinco mil campos de futebol, os peixes foram embora e deram lugar ao gado. Ficou também o que morreu no fundo da baía.
A área de vegetação chamada Ilha do Caco, como o próprio nome já diz, é um lugar que fica cercado de água inclusive no período de estiagem. Agora o que era uma ilha já se juntou à terra firme
A ilha é um pequeno círculo verde, hoje rodeado por uma imensa área de solo rachado.
“O que está acontecendo não é em função da ação do homem na alteração do ambiente”, garante o professor Rubem Moura.
A água da Baía de Chacororé vazou para outra baía, a de Siá Mariana. Mesmo nesta época do ano,normalmente o lugar ainda está coberto por água. A barragem que fica entre as Baías de Chacororé e Siá Mariana foi colocada aqui justamente para impedir que a água de Chacororé vaze muito rapidamente para Siá Mariana. O problema é que recentemente as pontas dessa barragem foram destruídas e agora está funcionando como um grande ralo sugando ainda mais a água de Chacororé
“Parte destas barragens foram destruídas para facilitar o acesso dos barcos”, diz Alexander Maia, secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso.
Com menos água, os peixes se concentram em poucos pontos da baía.
“Fica fácil para ser retirado”, diz Marco Antônio de Souza, morador da região.
Foi em rede que alguns jacarés ficaram presos.
“É um indicio de uma pesca com instrumentos que são proibidos, porque instrumentos que não são proibidos não pegam jacaré”, comenta a professora Carolina Joana.
A secretaria de meio ambiente tem apenas 80 fiscais para todo o estado de Mato Grosso. E na época da seca nenhum deles vigia a pesca predatória. Todos trabalham no combate às queimadas.
O Ministério Público exigiu uma resposta imediata.
“Se tivesse feito a fiscalização normal com certeza, os danos seriam menores”, acredita Julieta do Nascimento Souza, promotora do Ministério Público Estadual do Mato Grosso
A promessa do secretário é reconstruir a barragem em uma semana.
O rompimento da barragem para facilitar a pesca predatória é um problema recente. Mas outra interferência humana, mais antiga, também prejudica a baía.
Nas imagens de satélite dá para ver: o formato da Baía de Chacororé lembra o de um coração. No local, as artérias são pequenos canais chamados corixos. São eles que mantêm viva a baía com água que vem do Rio Cuiabá. Só que há mais dez anos, este coração está ameaçado. A construção de uma estrada obstruiu os canais.
“Interromper um recurso hídrico desses com certeza é um crime ambiental muito grande”, critica o professor Rubem Mauro.
Foi a própria prefeitura de Barão de Melgaço que pagou o combustível para as máquinas que bloquearam os canais de água.
“O prefeito então viu o lado social. Porque esta comunidade fica durante seis meses. Ela fica ilhada. Ela está levantando um pouco mais a altura da estrada, simplesmente para ela ter um pouco mais de tempo para poder tirar o gado”, acusa Dion Cássio Jacob, secretário de Turismo e Meio Ambiente de Barão de Melgaço.
“É uma decisão se a gente vai querer que a Baía de Chacororé acabe e vire pasto... ou se a gente quer que a Baía de Chacororé continue como baía”, alerta Carolina Joana da Silva, da UEMT.
Para salvar a baía é preciso mais: como dos dez corixos apenas um continua aberto, ele recebe toda a pressão do Rio Cuiabá. A água aqui desce com força arrastando sedimento das margens e muito lixo: sapatos, capacetes, milhares de garrafas pet e até um computador. O único que o pescador Valdomiro Padilha viu na vida. “Eu sonho ter um, mas não do lixo”, diz
Mesmo que as medidas necessárias fossem tomadas imediatamente, a previsão das autoridades é que vai demorar no mínimo cinco anos para o Pantanal voltar a ser o que era.
“Eu sinto uma imensa tristeza. Água que não é de beber, tem que deixar correr”, diz a professora Carolina Joana.
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