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quinta-feira, 25 de março de 2010

A superação do paradigma ético



Autor: Jucelito Lopes
Toda animalidade presente na humanidade é algo que a completa. Ser humano é então a junção daquilo que é herança de nossos antepassados mais remotos, segundo a teoria darwinista, com a intelectividade mais aprimorada. No entanto, é nesta última capacidade dos humanos que reside a magia capaz de torná-los tão diferentes. É a mente humana o único solo fértil conhecido para a moral e a ética.
O homem moral é aquele cujos costumes lhe são impressos pelos mais antigos. Já o homem ético é aquele cuja visão de mundo lhe proporcionou um conhecimento capaz de oferecer-lhe diversas opções, nunca autoritárias. Projetar-se no mundo é algo próprio aos humanos. Determinar nosso agir no mundo de maneira que nos possibilite liberdade e felicidade nos coloca na posição de seres críticos e éticos, pois a liberdade e a felicidade não se realizarão sobre a escravidão e infelicidade alheia. Porém, nossa ética, até aqui, tem se mostrada alienada num universo unilateral criado pelos humanos. As ações humanas, documentadas nas páginas da história, sempre tiveram na batalha pela justiça e liberdade a ambição e a ganância como pano de fundo. Uma ética voltada ao humano. Mais especificamente àquele autor da ação dessa mesma ética.
A partir dos modernos, com Rene Descartes e depois Francis Bacon, a antropocidade de nossa ética parecia ter alcançado os patamares mais altos. Ocorre que a sociedade planetária contemporânea, com seu frenesi pelo desenvolvimento e progresso, conseguiu ampliar e potencializar os efeitos da ética tradicional. A alienação humana se deu no mesmo momento em que se consolidava uma postura ética arbitrária e antropocêntrica em total detrimento dos outros seres que, inclusive e, portanto, paradoxalmente compõem o próprio universo humano. O paradigma ético tradicional pode ser acertadamente resumido no ideal baconiano, onde a natureza, segundo Bacon, está para servir aos humanos no que melhor os convir. Com este entendimento todo empreendimento humano, numa escalada sem precedentes, possibilitou o avanço científico e tecnológico sobre o planeta. Nossa "civilização tecnológica" com seu aparato tecnológico avança sobre a natureza exaurindo suas forças e capacidades de renovação e auto-regulação.
Nos últimos anos vimos milhares de cientistas discorrerem sobre as sérias conseqüências sobre o meio ambiente causadas pela ação antrópica. O Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima apontou para os humanos como os principais causadores do aquecimento global. O efeito estufa, um dos mecanismos de auto-regulação do planeta que sempre funcionou em prol da vida, hoje, a partir da contribuição humana de despejar toneladas de gás carbono na atmosfera, vem intensificando nossos problemas em relação ao clima. A interferência humana, pautada numa ética antropocêntrica e uma míope visão desenvolvimentista, potencializou o efeito estufa cujas conseqüências nos coloca numa posição de vulnerabilidade, a nós e a todos os seres vivos.
O complexo da cultura humana nos trouxe até o presente momento no contexto acima apresentado. Nosso modo de vida capitalista nos transformou em vorazes consumidores e seccionou nossa relação profunda com o cosmo. Estamos agora alienados pelo consumo acreditando estar nele a fórmula mágica para a felicidade. Nos alienamos no ter e detrimento ao ser. A ética tradicional, agora sim parece ter chegado a seu ápice, escravizando-nos como resultado do emprego daquilo que chamamos ética.
Segundo JONAS (2006) a natureza reivindica na sua subjetividade o direito a existência. Essa subjetividade da natureza e esse reivindicar a existência nos incomoda positivamente. Faz-nos pensar em reformular nossa ética. A forma como temos nos relacionado com a natureza tem se mostrado ineficiente diante das graves conseqüências da nossa ação. O egoísmo humano, num virar de jogo surpreendente, colocou-nos em grave perigo. Olhar para o mundo e tê-lo como parte de nós, olhar-nos no espelho e percebermo-nos como parte do mundo nos coloca numa posição de igual com os demais seres. Nos faz sentir como parte do todo que se desdobrou na multiplicidade.
Antes de romper com o paradigma ético tradicional se faz oportuno procurar um valor que possa ser universalizado. A final, uma ética pode ser absorvida e praticada a partir de valores humanos. Daí a importância de alicerçarmos a nova ética sobre a rocha de uma valor universal. JONAS (2006) nos ensina que mesmo antes da vida se fazer presente no cosmo havia, ainda que em potencia, a possibilidade de sua existência. É como se toda a existência, mesmo nos tempos mais remotos de nosso universo, clamasse pela vida. No momento que ela se fez presente, aquilo que era vivo lutou incansavelmente por manter-se no palco da existência. Sendo assim podemos concluir que um valor universal é a vida. E é nesse valor que Hans Jonas desenvolve sua ética e nos convida a nos reposicionarmos no mundo.
O novo paradigma ético está fundamentado no valor universal que é a vida. Respeitar a vida em toda sua totalidade e forma de expressão é um agir conforme a nova ética. Neste sentido a ética de uma atropocidade já não nos serve mais, pelo contrário, nos é repugnante. Reconhecer a subjetividade da natureza, algo antes atribuído somente aos humanos, é o primeiro passo para a interiorização de uma ética que pode ser chamada ética ambiental.
Afastar a idéia de que somos o "centro da criação" é igualmente importante, pois nos torna um igual participando do todo. Assim como os demais entes que constituem o cosmo somos a individualidade de uma multiplicidade que completa o uno. Neste sentido não somos mais nem menos que outros seres existentes e, portanto, nosso direito à vida é, deve ser, partilhado aos demais. Esse "deve", após a interiorização do valor supremo, passa a ser desejado e não exerce peso negativo sobre nossos ombros. Antes torna-se um desejo de querer servir à vida.
Esse "dever" desejado e não obrigado possibilita o sucesso e a universalidade que a nova ética ambiental requer. Para o bem da vida e, portanto, também o nosso próprio bem enquanto espécie, devemos agir de forma pragmática em relação ao emprego da nova ética. No entanto, não com uma visão simplista e utilitarista, mas uma visão holística e ecológica vislumbrando o sucesso que o cosmo desenvolveu até aqui no despertar da vida.

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