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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Exploração de petróleo no pré-sal traz dilemas na era da crise climática - Parte 2

Desafio carbonático

Do ponto de vista exploratório, vencer a profundidade e, sobretudo, a espessa camada salina (que se deforma à medida que é perfurada) é, de fato, um grande desafio, mas não maior que o de conhecer as características das rochas carbonáticas microbianas onde o petróleo do pré-sal está alojado. Segundo Dias-Brito, embora sejam encontradas em diversas partes do globo, tanto no mar como em terra, a costa brasileira é o único lugar, pelo menos até agora, em que esse tipo de rocha guarda hidrocarbonetos. Logo, nem a Petrobras, nem ninguém, tem experiência no assunto.

Diferentemente dos arenitos turbidíticos que formam os reservatórios do pós-sal, as rochas carbonáticas microbianas ainda foram pouco estudadas (Foto: Guilherme Gomes/Unesp Ciência)

Diferentemente da área do pré-sal, as demais reservas brasileiras de petróleo têm outra origem geológica, bem mais recente. Elas se localizam acima da camada de sal, e os hidrocarbonetos, na forma de óleo ou gás, estão alojados em arenitos turbidíticos, um tipo de rocha formada pelo movimento intenso de águas turvas, carregadas de areia e lama. É o caso dos reservatórios da Bacia de Campos, na costa fluminense, exemplifica o geólogo da Unesp. “Essas correntes transportaram quantidades brutais de areia da plataforma continental para áreas profundas da bacia há 24 milhões de anos, o que provavelmente ocorreu por causa do rebaixamento do nível do mar.”

Conhecer melhor a rocha reservatório do pré-sal é um ponto crucial nos planos da Petrobras para que a exploração dos novos campos da Bacia de Santos ocorra com sucesso. Para isso, a empresa aliou-se ao Departamento de Geologia Aplicada do IGCE. Lá será criado um centro avançado de pesquisas e ensino sobre geologia do petróleo, o UNESPetro, com foco em rochas carbonáticas. A inauguração do prédio está prevista para abril de 2010. A estatal pretende investir mais de R$ 10 milhões na iniciativa. Segundo Dias-Brito, que coordena o projeto, um dos alvos de investigação é a porosidade e permeabilidade dessas rochas e seus padrões de distribuição nos planos vertical e horizontal. “Isso é muito importante para simular o comportamento dos fluidos nesses reservatórios”, explica.

Efeito no clima
Além das rochas carbonáticas microbianas, há mais duas características – uma boa e outra ruim – que tornam o petróleo do pré-sal especial. A primeira está no fato de ele ser de melhor qualidade que o das reservas pós-sal, uma vez que tem um maior teor de hidrocarbonetos mais leves – mais valorizados pela indústria petroquímica porque dão origem a derivados mais nobres.

sso foi possível por conta da profundidade das rochas carbonáticas e da presença da camada de sal, que impediram a penetração de bactérias que degradam as frações voláteis dos hidrocarbonetos. Os arenitos turbidíticos da Bacia de Campos, por exemplo, não tiveram a mesma sorte. Por estarem muito mais próximos do leito marinho, os micro-organismos acabaram entrando nos reservatórios.

A má notícia é que com os hidrocarbonetos, há um alto teor de gás carbônico no pré-sal. O que, em tempos de aquecimento global, é visto com maus olhos por ambientalistas – o CO2 é o principal gás de efeito estufa. As razões ainda não são compreendidas e a questão deverá ser respondida com os avanços nos estudos sobre o pré-sal, acredita Dias-Brito.

A Petrobras, por sua vez, afirma que esse gás não será despejado na atmosfera. Uma das possibilidades em estudo é sua reinjeção no próprio reservatório, o que, de quebra, elevaria a pressão dentro dele aumentando o volume recuperável de óleo e gás, já que, com seu esvaziamento, a extração do que resta em seu interior fica cada vez mais difícil.

Para isso, no entanto, a empresa precisa conseguir separar o CO2 do gás natural – tarefa que não é nada simples e certamente aumentará o custo do produto final. O desafio é construir plantas compactas para fazer a separação, o que deverá ser feito em terra, pelo menos no projeto piloto de Tupi, segundo a assessoria de imprensa da companhia.

Mas ainda que todo o gás carbônico do pré-sal seja reinjetado no fundo da Terra, obviamente o destino do óleo e do gás que vêm dele é serem refinados, vendidos e queimados, gerando CO2 que será liberado por escapamentos e chaminés na atmosfera. Justo quando em todo mundo há uma pressão para que se diminuam as emissões do gás por queima de combustíveis fósseis e se invista mais em fontes renováveis de energia.

Com a proximidade da COP-15, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em dezembro em Copenhague com o objetivo do estabelecimento de metas para a redução dessas emissões, é o caso de questionar: qual será o impacto do pré-sal nas políticas públicas brasileiras sobre o clima?

Para Dias-Brito, apesar das grandes reservas identificadas recentemente, a perspectiva para as próximas décadas ainda é de escassez desse recurso, tanto pelo aumento do consumo mundial como pela rarefação na descoberta de novos campos. “Em 2030, o mundo estará mais dependente de petróleo do que hoje, conforme indicam entidades internacionais que lidam com o assunto”, cita o pesquisador.

Para ele, as descobertas brasileiras chegam num momento estratégico. “Com os recursos advindos da produção do petróleo do pré-sal, o Brasil poderá investir de forma consistente em programas tecnológicos para geração de energia ‘limpa’. Isso nos permitirá ingressar de maneira mais robusta na fase pós-petróleo.”

O físico José Goldemberg, professor da USP e especialista em recursos energéticos, discorda. Para ele, há o risco de desviar para o pré-sal investimentos que poderiam ser aplicados já em biocombustíveis e energia eólica, por exemplo. “Não podemos tratar esse recurso de forma exclusivista. Apostar todas as fichas no pré-sal é perigoso”, diz.

Segundo ele, a ideia de que o petróleo está acabando é controversa. “O que está se esgotando é o petróleo ‘fácil’, restará o de difícil acesso, que exige tecnologia de vanguarda”, acrescenta, citando como exemplo, além do pré-sal, as areias betuminosas da província de Alberta, no Canadá, onde está a segunda maior reserva mundial, depois do campo de Ghawar na Arábia Saudita. “A perfuração de um poço no pré-sal pode consumir entre US$ 100 e US$ 500 milhões, e a taxa de sucesso pode não ser tão alta.”

Cedo ou tarde, no entanto, o petróleo deve acabar. E, diferentemente do que acontecia no passado, os novos donos desta riqueza já não podem simplesmente agir como senhores do mundo. O clima mudou e, daqui para a frente, eles terão de se justificar perante a sociedade.

Atividade sísmica também traz impactos
A atividade sísmica para prospecção de petróleo pode estar colocando em risco toda a fauna marinha. A falta de pesquisas sobre esse impacto, no entanto, torna o tema altamente controverso. Suspeita-se que o encalhe de golfinhos e baleias nas praias pode ter relação com os pulsos sonoros disparados pelos navios de sísmica. Tartarugas também poderiam ser afetadas, desviando-se de suas rotas de migração. Algumas evidências sugerem que a atividade tenha ainda efeitos negativos sobre a pesca comercial, por afugentar os peixes, além de possivelmente alterar seus padrões de acasalamento e desova.

Para realizar pesquisa sísmica na costa brasileira, as empresas precisam de uma licença ambiental do Ibama. Para isso, devem apresentar um estudo de impacto ambiental, seguindo as normas do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que, desde 2004, são específicas para esse tipo de atividade. Há zonas de restrição, como as águas rasas (até 400 metros) e o entorno do Atol de Abrolhos, no sul da Bahia, que é área de proteção de baleias jubarte.

Copyright: Unesp Ciência
 Fonte: www.globo.com

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